Segue abaixo minha atualização hermenêutica de Tiago 5.1-6, último tópico da exegese apresentada para o Trabalho de Conclusão de Curso em Teologia.
Tradução da perícope de Tiago 5.1-6 do grego.
¹“Atendei agora os ricos: Lamentai clamando por causas das misérias que vos sobrevirão. ²As vossas riquezas estão corroídas e as vossas roupas se tornaram comidas para as traças. ³ O vosso ouro e prata ficaram enferrujadas, e a ferrugem vos será para testemunho contra vós e comerá vossa carne. Entesourastes fogo para os últimos dias! 4 Eis que o salário, defraudado dos trabalhadores que ceifaram vossos campos, clamam, e o clamor dos ceifeiros chegaram até os ouvidos do Senhor Sabaoth. 5 Tendes vivido com prazer e luxo sobre a terra e tendes engordado vosso coração no dia de abate. 6 Tendes condenado e matado o justo: Ele não resisti a vós!”.
Tradução da perícope de Tiago 5.1-6 do grego.
¹“Atendei agora os ricos: Lamentai clamando por causas das misérias que vos sobrevirão. ²As vossas riquezas estão corroídas e as vossas roupas se tornaram comidas para as traças. ³ O vosso ouro e prata ficaram enferrujadas, e a ferrugem vos será para testemunho contra vós e comerá vossa carne. Entesourastes fogo para os últimos dias! 4 Eis que o salário, defraudado dos trabalhadores que ceifaram vossos campos, clamam, e o clamor dos ceifeiros chegaram até os ouvidos do Senhor Sabaoth. 5 Tendes vivido com prazer e luxo sobre a terra e tendes engordado vosso coração no dia de abate. 6 Tendes condenado e matado o justo: Ele não resisti a vós!”.
MÃOS DADAS
Não
serei o poeta de um mundo caduco.
Também
não cantarei o mundo futuro.
Estou
preso à vida e olho meus companheiros.
Estão
taciturnos, mas nutrem grandes esperanças.
Entre
eles, considero a enorme realidade.
O
presente é tão grande, não nos afastemos.
Não
nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não
serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não
direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista pela janela,
não
distribuirei entorpecentes ou cartas de suicidas,
não
fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O
tempo é a minha matéria, o tempo presente,
os
homens presentes, a vida presente.[1]
A poesia que acabamos de
escrever acima é de autoria do escritor e poeta Carlos Drummond de Andrade e
nos revela sua preocupação para com o contexto histórico-social de uma época
marcada pela tendência global que se caracterizou pela mudança de
comportamento, onde líderes de governos democráticos se tornaram em líderes
autoritários, tais como Hitler na Alemanha, Mussolini na Itália, Franco na
Espanha, Salazar em Portugal e finalmente Vargas no Brasil.
O que nos chama a atenção no
presente poema é a postura assumida em relação ao outro, numa atitude de
alteridade, de reconhecimento do outro, e a responsabilidade em que ele, o
autor, chama para si mesmo. Denuncia o mundo como um mundo alienado/caduco, e
não mais quer viver pensando num mundo melhor num futuro distante, mas pelo
contrário, a visão da realidade em que vive o assusta e o leva a tomar atitudes
de enfrentamento. Não se limita na luta por si, mas vai além do eu, a tomada de
consciência de sua realidade o leva a perceber o drama existencial das pessoas
que o cercam, reconhecendo como companheiros.
O termo “estão taciturnos”,
estão calados, estão quietos, demonstra o desânimo da realidade que os cercam e
que colocam suas esperanças apenas no futuro, numa espécie de espera paciente por
um messias que pode acabar com seus sofrimentos.
A postura assumida por
Drummond é o da solidariedade, ao oferecer suas mãos, ao andar de “mãos dadas” revela
a intenção de quebrar a inércia e iniciar um movimento pautado na solidariedade
humana diante da dura realidade que o cerca, o remédio encontrado por Drummond
para este mundo em que se perde a referência da dignidade da pessoas humana é o
caminho da solidariedade.
A última estrofe de seu poema
é estarrecedor para todos nós, cristãos e cristãs, pois sua leitura da
realidade demonstra a futilidade de se viver alienado aos dramas humanos no que
tange a tentação/tendência que se tem de se fechar dentro de nossas torres de
marfim e trabalharmos meramente na elucubração fantasiosa que não atende em
nada aos nossos problemas sociais. O que temos em Drummond é a postura de
proatividade, solidariedade no caminhar juntos para encontrar uma saída deste
labirinto “caduco” e alienado que tende a manter o povo na ignorância.
Recentemente temos ouvido e
lido em diversos meios de comunicação, material ou digital, sobre a polêmica reforma
trabalhista promovida por nossos representantes. No Brasil segundo dados do TST
(Tribunal Superior do Trabalho) a média mensal de ações trabalhistas propostas
em todo o território nacional antes da reforma trabalhista era de
aproximadamente 200 mil[2].
Números expressivos e severamente atacado pela grande maioria dos deputados que
votaram a favor da medida por entenderem que existia algo “errado” com a
legislação. Após a reforma trabalhista esses números, segundo dados da mesma fonte
acima citada, revelam que a média mensal de novas ações caíram para 84,2 mil,
mais de 54%, como afirma a revista Carta Capital.[3]
Ao olharmos rapidamente sobre
os números podemos ser levados a pensar que a reforma trabalhista foi um
sucesso, e de fato o foi, mas, infelizmente, não para os trabalhadores que são,
ou eram considerados como parte hipossuficiente da demanda.
Isso porque, um dos princípios
que regem o Direito Processual Trabalhista, bem como o Direito do Trabalho, são
os da isonomia e o da hipossuficiência. Ou seja, o princípio da isonomia se dá
no campo da igualdade, e esta, se dá com a máxima: “Tratar os iguais igualmente
na medida de suas igualdades, e os desiguais, desigualmente na medida de suas
desigualdades”. Neste caso, o que se concretizou foi uma afronta a Constituição
Federal, não podemos ser ingênuos ao ponto de achar que o empregado está em pé
de igualdade diante do enorme poder econômico das empresas. Neste ponto o
princípio da hipossuficiência do empregado frente a relação de trabalho deixou
de ser observado pois a CLT, Consolidação das Leis Trabalhistas, considera o
empregado como a parte mais frágil na relação de emprego.
Destarte, concluímos que as
medidas que diminuíram as demandas judiciais não são justas, mas uma afronta a
justiça, a Constituição Federal, a dignidade da pessoa humana pelo simples fato
de exercerem um caráter fortemente inibidor, tendo em vista que antes da
reforma o trabalhador não corria o risco de sofrer danos maiores caso perdesse
o litígio, agora, neste novo cenário o empregado é alertado pelos novos
dispositivos da lei que uma possível sentença desfavorável lhe acarretaria
grandes prejuízos econômicos, gerando de forma coercitiva, ainda que psíquica,
uma posição de suportar “apenas” os prejuízos suportado pelo empregado.
A realidade que se descortina
aos nossos olhos é a do corporativismo empresarial e elitista da alta classe
que luta por mais lucros em face dos pobres trabalhadores que são calados,
agora de forma “legal”, e levados cada vez mais aos matadores, por terem um dos
maiores direitos tolhidos dentro de um Estado de Direito Democrático, o trabalhador
oprimido é obrigado a suportar os prejuízos sem o necessário acesso à justiça,
seu direito de clamar por justiça as portas do pretório lhes foram “veladamente”
cerceados!
Não há quem clamem por eles
pelas injustiças suportadas!!
Ainda que a epístola de Tiago
seja dirigida a uma universalidade de destinatários, de diversos tempos e
espaços, podemos facilmente visualizar, no contexto histórico-social por ele
vivido, as questões do sistema greco-romano que mantinha ideologicamente o
governo.
Tiago surge como um profeta
que não se conforma com as ambiguidades e as desigualdades pautadas e mantidas
na injustiça social.
Na perícope de Tg.5.1-6 vemos
a postura de Tiago, ainda que não tenha se dado em um caso concreto particular
e especifico de sua comunidade, mas sim, era de fato uma realidade que cercava
todo o império romano e que onde quer que a sua carta fosse lida seria
compreendida sem grandes esforços.
Essa postura se dá claramente
devido ao fato de que todas as ações realizadas pelos ricos se voltariam contra
eles numa denúncia apocalíptica futura, mas breve, Tiago desvela a origem podre
e corrupta da riqueza dos ricos, produzidas pelo sistema vigente e opressor.
Os pobres não tinham
legitimidade para propor uma ação de reparação de danos sem que lhe houvesse
alguém mais poderoso, geralmente, como se tratava de um sistema clientelista,
essa figura protetora se dava no padrinho, que davam condições de pleitear
junto aos tribunais a sua causa.
Os “clientes” deveriam se
sujeitar aos seus “patrões” com honrarias durante as cerimonias, adulações
durantes as festas ou nas aparições civis, em contrapartida eles lhes davam
proteção, doavam monumentos aos templos, realizavam alguma benfeitoria pública.
Quanto mais clientes o patrão tem, mais prestigio, mais terras, mais ocupações
publicas eles teriam durante as divisões.
O problema se dá quando os
próprios ricos que deveriam cuidar e velar pelos seus subordinados vendo sua
fragilidade os oprime. Estes oprimidos não têm voz numa sociedade marcada por
excluídos. Demanda jurídica que se
inicia não se dá entre os ricos e os pobres, visto que os ricos os oprimem não
pagando por seus trabalhos, incorrendo com bem apontado por Tiago numa
releitura de Levíticos como um caso claro e análogo ao assassinato em que os
ricos praticavam diuturnamente sem se quer se preocuparem, mas pelo contrário,
a demanda judicial se dá entre Deus e os ricos.
No caso (demanda) Deus versos
ricos, a condenação é certa, não há como escapar, a sentença foi dada, os ricos
devem chorar por tamanha desventura.
O texto nos revela que os
salários dos trabalhadores eram retidos com fraude, não eram pagos, ainda hoje,
em nosso ordenamento jurídico pátrio o salário retido pelo patrão se configura
como crime.
O pobre não tem forças sequer
para clamar, a opressão é grande.
Quem clama, descreve Tiago, é
o próprio salário não pago, nos lembra a figura da terra que clama a Deus por
justiça ante o sangue derramado quando Caim matou Abel.
E para que, qual o motivo que
leva o rico a manter tal postura infame? Somente para ajuntar cada vez mais
riquezas, e acumular cada vez mais roupas caras que serão guardadas sem
utilização.
Isso tudo se dá diante da necessidade
que o rico tem de viver com o luxo enquanto o justo, o justo aqui tratado se
trata do pobre, tem morrido a sua volta, numa ação diametralmente direta a sua
riqueza.
O eixo vida/morte,
luxo/necessidade, supérfluo/imprescindível contrasta os polos deste sistema
pernicioso denunciado por Tiago.
Diante de tudo que temos
exposto até o momento se verifica que a postura que Deus requer dos cristãos é
que assumam uma conduta ética no sentido de nos exortar a se envolver com a
nossa realidade e seus dramas.
A luta descampada por Tiago se
da no campo da conduta prática e ética cristã como expressão da nova fé.
Assim como Carlos Drummond de
Andrade, Tiago se recusa a viver e escrever sobre assuntos meramente
especulativos, e trabalha neste sentido para que as comunidades espalhadas pela
diáspora não se detenham numa fé sem obras, ele denuncia aos seus destinatários
que a fé sem obras é morta, ou seja, nunca existiu.
Tiago revela a seus
destinatários que não se deve viver sobre a guarda dos ricos, mas somente de
Deus, e chama a atenção para a responsabilidade que os ricos têm diante dos
pobres, essa responsabilidade deve se dar no campo do cuidado, proporcionando e
promovendo a dignidade da vida humana.
Sendo assim somos chamados a
empreender uma postura ativa e profética no que tange a denúncia diante das injustiças
sociais que nos cercam.
Somos chamados, assim como
Tiago, bem como Drummond, a não vivermos as nossas vidas de maneira alienada
aos problemas sociais, mas a de mãos dadas aos nossos irmãos, num sentido de
solidariedade, de sofrer juntos com os que sofrem, chorar com os que choram.
A fé deve ser vivida no campo
do cotidiano, do dia a dia.
A Bíblia Sagrada é a grande
fonte irradiadora de princípios que preserva a dignidade da pessoa humana e
construção de uma sociedade mais justa e equânime.
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